Avenida Afonso Pena no final do Século XIX vendo-se o local onde se construiu o edifício dos Correios alguns anos mais tarde. Um pouco acima se vê o Edifício da Delegacia Fiscal que existiu no local onde se encontra atualmente o Edifício Guimarães.
A titulo de curiosidade: um pouco a direita vemos o Almoxarifado da CCNC e entre ele e a Capela do Rosário está o Cemitério Provisório construído pela Comissão Construtora, no quarteirão do Banco do Brasil na Rua Rio de Janeiro.
Fonte: BARRETO, Abílio. Belo Horizonte: Memória Histórica e Descritiva, 1996.

    Ao projetar a nova capital Aarão Reis criou inúmeras praças e largos destinados ao embelezamento da nova capital criando espaços definidos para a socialização da população e atividades civicas, entre outras finalidades. Muitas destas praças não chegaram a ser implementadas ou desapareceram devido as diversas alterações no traçado urbano e várias destas áreas foram posteriormente transformadas em quarteirões edificáveis. Para se ter uma idéia pela planta inicial estava prevista a existência de 24 praças e largos na Zona Urbana. Dessas atualmente não existe a metade disso. Áreas hoje ocupadas pelo Colégio Pedro II, os edifícios Raposo Tavares e Louis Ench e os grupos escolares Barão do Rio Branco e Bueno Brandão foram inicialmente largos e praças sendo posteriormente refuncionalizadas, tornando-se na sua maioria áreas edificáveis. Vamos analisar mais detalhadamente o caso do largo que deveria ter existido na Avenida Afonso Pena na esquina com as Ruas da Bahia e Tamoios. O largo, batizado pela Comissão Construtora de Praça Tiradentes fazia parte de uma das quatro praças que deveriam ter sido construidas em casa uma das arestas do Parque Municipal. As outras três, a saber foram denominadas:

- Praça Benjamin Constant, no cruzamento das Avenidas Afonso Pena, Carandaí e Mantiqueira, atual Alfredo Balena.
- Praça 15 de Novembro, atual Hugo Werneck no cruzamento das Avenidas Mantiqueira, Aragauaia, atual Francisco Sales e Paraibuna, atual Bernardo Monteiro.
- Praça 15 de Junho, no cruzamento das Avenidas Araguaia e Tocantins, atual Assis Chateaubriand.

Essas Praças delimitariam o verdadeiro Parque Municipal de Aarão Reis. Atualmente o Parque¹ ocupa apenas ¼ da área projetada para ele, como se vê nas imagens abaixo.

Na montagem acima, feita pelo autor a partir das Plantas Cadastrais dos anos de 1895 e 1928 e da Imagem de Satélite do ano de 2009 está sinalizada em vermelho a área que deveria ter sido construída a Praça Tiradentes, segundo o plano de Aarão Reis.

    Voltando ao caso do quarteirão destinado a Praça Tiradentes (não confundir com a Praça 21 de Abril, localizada no cruzamento das Avenidas Brasil e Afonso Pena). Resolvi abordar a ocupação desse quarteirão devido a sua singularidade em relação aos outros quarteirões que inicialmente eram destinados a Praças, no que diz respeito à forma de ocupação e principalmente a arquitetura.
    Até o inicio do Século XX a parte inferior da área destinada a Praça permaneceu vazia conforme o projeto de Aarão Reis. A parte superior, o quarteirão compreendido entre a Avenida Afonso Pena e as Ruas Tupis e Tamoios que também fazia parte da dita Praça já estava ocupado desde a inauguração da capital, como vemos na primeira foto. Esse quarteirão foi inicialmente ocupado por particulares, posteriormente por órgãos do Governo e desde os anos 1930 ele está ocupado por diversas construções de finalidade comercial.

Foto de 1905 aonde se vê as fundações do edifício dos Correios.
Fonte: APCBH Coleção José Góes

    Em Agosto de 1904 é lançada a pedra fundamental do edifício dos Correios, obra bancada pelo governo federal e a área escolhida para a sua edificação foi justamente a parte inferior da Praça Tiradentes. Era o inicio da transformação espacial, do “vazio” não edificável ao “cheio” que, como dito anteriormente ocorreu em toda a Zona Urbana da capital. O prédio dos Correios foi inaugurado em 1906 e era tido como um dos símbolos da nova capital, aparecendo até mesmo em diversos Cartões Postais da época, como vemos na imagem abaixo.

Cartão Postal de 1910 retratando o edifício dos Correios. O seu estilo arquitetônico representava uma nova era para o Estado e essa imagem era então “vendida” como um atrativo da nova capital.
Fonte: Acervo MHAB

Foto de 1910 onde se vê todo o quarteirão ocupado pelos Correios.
Fonte: APCBH Coleção José Góes

    Nos anos que sucederam à sua construção a Avenida Afonso Pena se tornou o espaço da articulação urbana juntamente com a Rua da Bahia. A população crescia cada vez mais e o imponente edifício não atendia mais a demanda para a qual se propunha. No inicio dos anos 1930, devido a falta de espaço a Prefeitura inicialmente toma a decisão de expandi-lo mas em 1935 o Estado decide trocar o terreno antes destinado ao Congresso na própria Afonso Pena pelo quarteirão do edifício dos Correios, conforme relatório de 1935 do Prefeito Octacilio Negrão de Lima: “Prosseguindo as negociações iniciadas, conseguimos ver realizada a permuta do atual edificio dos Correios e Telegrafos pelo terreno ao lado do novo edificio da Prefeitura, na Avenida Afonso Pena”.

Foto de 1935 na qual aparece o edifício alguns anos antes de sua demolição.
Fonte: Acervo MHAB

    No final dos anos 1930 é decidido que o prédio dos Correios deveria ser demolido repassando o terreno para particulares, vendido então para o Grupo Sul América. Na planta cadastral feita na gestão do Prefeito Juscelino Kubitschek em 1941 o quarteirão aparece vazio, figurando como projetado por Aarão Reis, uma praça em pleno centro da capital, porém o edifício dos Correios só viria a ser demolido alguns anos mais tarde.
   Por volta de 1944/1945 teve inicio a construção das torres gêmeas dos edifícios Sulamérica e Sulacap, inaugurados em 1946. Em estilo Protomoderno os edifícios cubistas eram ladeados por dois edifícios menores em sua base e que, devido a sua posição criou um “vazio” entre eles, uma nova “praça” que criou uma perspectiva interessante do Viaduto Santa Tereza, enquadrando-o entre os edifícios e resgatando em parte a ideia de Aarão Reis, uma imposição do município para a venda do terreno no final da década de 30.

Imagem da primeira metade da década de 1940 onde se vê a esquerda o antigo edifício dos Correios em processo de demolição.
Fonte: BH Nostalgia

Planta Cadastral confeccionada durante a administração JK (1940-1945) onde figura o quarteirão vazio, pouco tempo antes da construção das torres Sulacap/Sulamérica.
Fonte: APCBH

As imagens acima, tiradas entre os anos de 1944/1946 mostram os Edifícios Sulacap e Sulamérica em construção.
Fonte: Acervo do Autor

Foto tirada do Viaduto de Santa Teresa pouco antes da inauguração das torres gêmeas dos Edifícios Sulamérica e Sulacap em Belo Horizonte.
Fonte: BH Nostalgia

Nas fotos acima podemos ver os edifícios no inicio dos anos 1960, com o interessante enquadramento da antiga Avenida Tocantins. A outra foto, tirada pouco tempo antes da construção do anexo de dois andares vemos a “praça” que foi criada entre os edifícios quando da sua construção.
Fonte: Acervo do Autor

    Essa praça existiu até meados dos anos 1970, quando lamentavelmente é construído um anexo de dois andares, preenchendo o “vazio” existente entre os edifícios e acabando com o enquadramento do Viaduto de Santa Tereza. A construção desse “puxadinho” coincide com a época de maior congestão do centro de Belo Horizonte, que sofria com o incontrolável crescimento urbano dos últimos trinta anos e do aumento do trânsito de veículos, principalmente os coletivos que até essa época ainda tinham os seus pontos finais nas ruas da área central. Abaixo do anexo figurava a “praça” completamente esmagada. Ela se tornou um local marginalizado, principalmente nos finais de semana e que então passou a ser evitado pelas pessoas que passavam pelo local. Atualmente existe um gradil que impede as pessoas de transitarem por baixo do anexo fora do horário comercial.
    A história da Praça Tiradentes, que virou quarteirão edificável em parte é a história da maioria das praças e largos projetados pela CCNC: praças essas que atualmente seriam muito bem vindas pois seriam “refúgios” entre a verticalização exagerada e o caos urbano que vemos atualmente na área central de Belo Horizonte e entorno. Infelizmente os administradores não entenderam o “recado” deixado por Aarão Reis e pelos membros da Comissão Construtora, sacrificando o bem estar e o convívio social em favor do progresso desenfreado.
Assim resumimos a história desse quarteirão: “Vazio” - Largo - Praça - Edifício Público - Edifício Particular + “Praça” ++ Anexo = “Cheio”.
Imagem de Satélite atual da área que seria ocupada pela Praça Tiradentes se ela tivesse sido construída.
Fonte: Google Earth

A figura acima faz parte do Plano de Reabilitação do Hipercentro de Belo Horizonte publicado em 2007. O Plano propõe que o Edifício Sulacap, devido a sua importância arquitetônica seja recuperado em parceria com o setor privado, retomando as suas características originais e abrigando bibliotecas, secretarias e fundações municipais.
Fonte: PBH/ Secretaria Municipal de Políticas Urbanas

Os edifícios atualmente, com o "puxadinho” de cor amarela obstruindo o enquadramento do Viaduto de Santa Teresa.
Foto: Rodrigo Eyer Cabral

Os edifícios em imagem aérea do ano de 2010.
Fonte: Google Maps


¹O Parque Municipal e a cronologia de sua dilapidação será um tema abordado posteriormente.
“Bello Horizonte já não apresenta o aspecto tranqüilo e modesto que de ordinário tem as nossas cidades e villas do interior; (...) é ponto forçado para todos que desejam conhecer a terra mineira: o delineamento da cidade, as suas construcções publicas ou particulares, seu commercio, o mais importante de nossas praças, institutos de ensino e associações de beneficência, a vida local no que ela offerece de particular à observação, dão ao visitante idéia exacta do nosso progresso”. Relatório do prefeito Olyntho Meirelles de 1911.


Panorama de Belo Horizonte nos anos 1910 tirada nas proximidades da Rua Além Paraíba vendo-se uma parte da Colônia Carlos Prates, a área central e grande parte do bairro Funcionários. A direita a Avenida Paraopeba em conclusão, nas proximidades da praça Raul Soares.
Fonte: APCBH Coleção José Góes

Belo Horizonte contava com cerca de 30.000 habitantes no inicio da década de 1910. Com o passar dos anos a cidade se estruturava cada vez mais, proporcionando o seu embelezamento, com praças e ruas formosamente arborizadas e bem cuidadas, fato que chamava a atenção dos visitantes. As casas térreas e os sobrados que existiam no bairro Comercial datados da construção da capital vão dando lugar às casas comerciais, consolidando a marca registrada de Belo Horizonte em relação à arquitetura e a funcionalidade: as constantes construções e demolições requalificando o espaço urbano. Os prédios construídos nesse período demonstravam a prosperidade de seus proprietários com ricas decorações nas fachadas. Podemos citar como exemplo o Palacete Dantas, ainda existente na Avenida Cristovão Colombo e o edifício do antigo Banco Hipotecário e Agrícola na Praça Sete. A Rua da Bahia juntamente com a Avenida Afonso Pena consolidaram-se como o espaço de articulação urbana. Eram nessas vias que se dava o maior fluxo de pessoas, como podemos ver na imagem abaixo. Essas vias, juntamente com os trechos compreendidos na Rua da Bahia entre Timbiras e Afonso Pena, Espirito Santo entre Afonso Pena e Avenida do Comércio, Afonso Pena entre as Ruas da Bahia e Espirito Santo, e por toda a Rua dos Caetés, essa quase toda ocupada por comerciantes era a região mais movimentada da capital, em um período que, conforme dito anteriormente passava por uma total refuncionalização, passando a ser predominantemente comercial.


Mapa mostrando as áreas de maior fluxo de pessoas na região central nos anos 1910.


Região Central de Belo Horizonte nos anos 1910. A esquerda o Palácio Hotel que existiu onde hoje se encontra o Othon Palace.
Fonte: APM

As indústrias iam se instalando na área urbana, incentivadas pelos subsídios oferecidos pela Prefeitura. A área delimitada no inicio do Século no Barro Preto ainda não se encontrava totalmente ocupada pelas industrias que se concentraram principalmente nas imediações da Estação Central. Outras mais antigas se encontravam espalhadas por toda a Zona Urbana. As indústrias naquele tempo eram pequenas e, com o passar dos anos tornou-se necessária a criação de uma área exclusiva para tais funções, maior e mais bem estruturada. A conclusão da Avenida Paraopeba, no mandato do Prefeito Cornélio Vaz de Melo melhorou o acesso ao Barro Preto, valorizando os lotes e facilitando o acesso ao Prado Mineiro e o Calafate.


Fábrica de Punhos e Colarinhos, fundada em 1907.
Fonte: APM


Residência construída na Zona Suburbana. Foto de 1911.
Fonte: APM

A malha urbana crescia cada vez mais devido a grande venda de lotes na Zona Urbana, forçando a abertura das ruas já planejadas. O Prefeito Benjamin Jacob escreveu em seu relatório de 1908 que “A cidade expande-se a olhos vistos, desapparecem dia a dia os claros existentes nas ruas, crescem a população e suas exigências, e, entretanto, circunstâncias econômicas impedem que os melhoramentos introduzidos, e que não são poucos, acompanhem com a mesma rapidez o desenvolvimento da capital.”
Na verdade não era bem isso que ocorria pois os lotes que se encontravam na mão dos especuladores formavam verdadeiros “vazios” na Zona Urbana, retardando o seu desenvolvimento. Em algumas regiões a cidade parecia um tabuleiro de xadrez sem peças. Em relação à crise econômica citada a Prefeitura, na necessidade de contrair um novo empréstimo visando honrar os compromissos já assumidos e continuar o desenvolvimento da capital teve que fazer um acerto de contas com o Estado, no qual dependia economicamente desde a transferência da capital.
Os Grupos Escolares iam sendo construidos e outros Grupos transferiram-se para a capital, vindos de Sabará e de Ouro Preto. Em Dezembro de 1911 tem-se inicio as obras dos grupos Escolares Bueno Brandão e Barão do Rio Branco, ambos na Avenida Paraúna, atual Getúlio Vargas. O local escolhido decretou a extinção da Praça Alexandre Stockler, que não existia no projeto original da capital e foi criada após a sua inauguração.


Sobrado ainda existente na esquina das Ruas da Bahia e Timbiras. Foto de 1911. Fonte: APM


Fachada do Grupo Escolar Barão do Rio Branco recém construído.
Fonte: APM

Em 1910 realizou-se a primeira obra com concreto armado no município, a antiga ponte de acesso à Fazenda da Gameleira. O concreto armado, como veremos posteriormente foi um dos grandes responsáveis pelo aumento das construções em Belo Horizonte a partir dos anos 20. A antiga ponte foi demolida em 1943 para dar lugar a atual ponte existente sobre o Ribeirão Arrudas na Avenida Amazonas. Em 1915 ocorre a aprovação da primeira construção particular em concreto armado da capital. O edifício foi construído na área central, no quarteirão do Grande Hotel na Rua da Bahia.
O Governo do Estado, sem verba para a construção do edifício do Congresso no qual se via apenas os alicerces deu permissão para a Prefeitura murar o terreno, atualmente ocupados pelos edifícios dos Correios e a sede da Prefeitura. Essa iniciativa de mura-lo é o inicio da preocupação da Prefeitura em realizar benfeitorias visando o embelezamento da cidade. Nessa mesma década a Prefeitura encomenda as Plantas Cadastrais de diversas cidades da Europa e América do Norte visando novas ideias para o embelezamento da capital.
O Mercado Municipal ainda atendia a população, não sendo necessário investimentos por parte da Municipalidade. Em 1910 os moradores do bairro Funcionários reivindicaram a criação de um Mercado Municipal no bairro evitando assim o deslocamento dela até o Centro para a aquisição dos produtos. Essa antiga reivindicação só foi atendida no inicio dos anos 20 tendo o Mercado durado apenas um ano, talvez devido à melhoria do transporte público entre este bairro e o Mercado Municipal.
Foi criado em Novembro de 1915 uma nova vila operária ou proletária na região da I suburbana (bairro Anchieta) e no final de 1919 uma outra foi criada no bairro Floresta, nas imediações da Rua Varginha. Já existia o bairro operário criando anos antes no Barro Preto e, com a valorização dos lotes urbanos juntamente com a especulação imobiliária promovida pelo Estado a Prefeitura resolveu remove-los do Barro Preto, optando por criar vilas na Zona Suburbana, onde possuía ainda terrenos consideráveis. A intenção da Municipalidade era clara, conforme relatório de 1918: 

“No intuito de localizar definitivamente o proletariado desta Capital, que se acha na sua quase totallidade installado provisoriamente em terrenos da zona urbana, que esta Prefeitura não poderá ceder para construcção de casinhas de valor mínimo, sinão a titulo precário, como até agora (1918) foi feito, deseja esta administração, crear Villas Proletárias¹(...)”. 

Era o inicio do processo de “expulsão” da população de baixa renda dos limites da Zona Urbana. 
O calçamento das ruas, principalmente por paralelepípedos foi prioridade por parte da Prefeitura durante toda a década. As ruas mal calçadas acarretavam inúmeros transtornos para a população e nas épocas das chuvas a enxurrada levava o calçamento macadamizado, fazendo com que surgissem valas nas vias. Em algumas ruas, principalmente na Zona Suburbana as vias eram apenas cascalhadas. Outro serviço executado pela Prefeitura, reclamado há muito tempo pela população e principalmente pelos Correios foi a numeração das casas e a colocação de placas de identificação nas ruas e praças de Belo Horizonte.


Rua da Bahia em 1915, nas proximidades da Casa do Conde de Santa Marinha. Ao fundo o antigo Edificio dos Correios.
Fonte: BH Nostalgia


Rua Paraíba, nas proximidades da Escola de Arquitetura da UFMG.
Fonte: APM

As Colônias Agrícolas criadas logo após a inauguração da capital e que ocupavam grande parte da Zona Suburbana desenvolveram-se mais rapidamente do que a própria Zona Urbana devido ao menor valor dos terrenos, o que proporcionou a população, composta em sua maioria por imigrantes e operários a adquirir lotes. Devido a esse crescimento, que a colocou praticamente ligada à Zona Urbana em 1911 são emancipadas as Colônias Américo Werneck (Sagrada Família e parte dos bairros de Santa Tereza e Horto), Adalberto Ferraz (bairro Anchieta), Bias Fortes (bairros Santa Efigênia e São Lucas) e Carlos Prates, no bairro de mesmo nome e parte do Prado. Em 1912 ocorre a incorporação das ex colônias emancipadas, juntamente com o povoado do Calafate a zona suburbana. Essa incorporação trouxe inúmeros benefícios para as ex colônias como iluminação pública e residencial, ruas calçadas e transporte coletivo. Porém a Prefeitura também estendeu as obrigações relacionadas às construções para toda a área anexada visando à regulamentação das construções e lotes. Em pouco tempo as ex colônias agrícolas já estavam fundidas com a malha urbana da capital.
Em 1914 um Decreto emancipa a última das cinco colônias agrícolas que existiram na Zona Suburbana, a Colônia Afonso Pena (bairros Santo Antônio, Luxemburgo, São Bento, Cidade Jardim, Vila Paris e parte do bairro Santa Lúcia).

A cidade ainda era alimentada de energia elétrica proveniente, em grande parte da Usina do Rio de Pedras e da Usina do Freitas. Inaugurou-se em 1912 a Usina de Gás Pobre, destinada a funcionar como uma reserva de energia no caso de falta de energia elétrica, sendo construída em frente à distribuidora na Avenida Afonso Pena. A Usina funcionava como complementação pois nessa época as interrupções do fornecimento de energia elétrica estavam cada vez mais frequentes e o seu fornecimento para os estabelecimentos industriais já haviam atingido o limite.

Com o término da 1ª Guerra Mundial retomam-se os projetos de modernização relacionados à infra-estrutura urbana e o embelezamento de Belo horizonte, parados desde a crise econômica causada pela guerra.
Belo Horizonte chegou ao final da década com uma população de 54.000 habitantes. A área compreendida entre a Avenida do Contorno e Avenida Cristóvão Colombo abrangendo o Centro e o Funcionários era o espaço mais adensado da Zona Urbana. Circundada pela Avenida do Contorno, a área planejada praticamente só tinha espaço para os profissionais liberais, comerciantes e funcionários públicos. Assim, às margens da Avenida do Contorno, foram surgindo bairros fora do planejamento oficial, de acordo com a demanda populacional e geralmente ocupada pelas camadas mais pobres. A Zona Suburbana com as terras das antigas colônias anexadas a ela tornara-se a parte mais populosa da capital e futura área destinada à expansão urbana. A década de 10 foi na verdade uma década de mudanças significativas no espaço urbano até os anos de 1912-1914. A partir daí com o aumento das matérias primas e dos artigos de primeira necessidade as obras foram paradas e o desenvolvimento da capital foi temporariamente interrompido, sendo retomado apenas em 1919.


Rua Gonçalves Dias nos anos 1910.
Fonte: APM



Mapa dos estudos realizados pela CCNC para o abastecimento de água da Capital destacando os Reservatórios do Cruzeiro e do Cercadinho.
Fonte: APCBH Acervo CCNC


Ponte que existiu até meados dos anos 1920 no Ribeirão Arrudas, na altura do bairro Esplanada.
Fonte: APM




Estação Central nos anos 1910, poucos anos antes da construção da nova Estação da EFCB e da Estação da EFOM.
Fonte: APM


Montagem feita em 1911 mostrando os veículos adquiridos pela Prefeitura e os seus diversos usos.
Fonte: OMNIBUS - uma historia dos transportes coletivos em Belo Horizonte; FJP. Centro de Estudos Históricos e Culturais.


²O Reservatório, ainda existente localiza-se no bairro Cruzeiro.
³O Reservatório localizava-se no local da atual sede da Copasa, na Rua Carangola. Por se tratar de um tema mais abrangente (o abastecimento de água), posteriormente escreverei sobre eles.

Fonte: APCBH Coleção José Góes

Belo Horizonte ainda não havia atingido 20.000 habitantes quando foi tirada a foto acima. Ela foi tirada nas imediações da Avenida Afonso Pena, que ainda não havia sido aberta nessa região, um pouco acima do cruzamento desta com a Avenida Getúlio Vargas. Na foto podemos ver a dita Avenida, aberta até às imediações da Avenida Brasil, à direita da foto. A Matriz da Boa Viagem aparece em destaque no centro da foto, rodeada das novas casas do bairo Funcionários e de um pequeno trecho da antiga Rua Marechal Deodoro, desaparecida pouco depois desse registro. Atrás da Matriz pode-se ver a Imprensa Oficial, o Grande Hotel e as casas comerciais no Centro da capital. A esquerda da foto a Avenida Liberdade, atual João Pinheiro e a Praça de mesmo nome, com os Edifícios das Secretarias em destaque. Ao fundo as terras onde se fundou a Colônia Carlos Prates, depois transformada em bairro de mesmo nome, a Pedreira Prado Lopes ainda em funcionamento e as áreas atualmente ocupadas pelos bairros Caiçara, Bonfim, Santo André e São Cristovão, e mais a direita parte da Floresta e da Lagoinha.
Fonte: BH Nostalgia

Na foto acima vemos um trecho da Rua São Paulo desde a Avenida do Contorno até um pouco adiante da Capela do Rosário, nas proximidades da Avenida Paraopeba (atual Augusto de Lima), parte da área delimitada pela CCNC para o inicio do povoamento da área urbana. A direita da foto a área ocupada pela Praça Rio Branco ainda vazia e mais abaixo as ruas dos Guaicurus e Oiapoque. Ao fundo, no centro da foto se vê o vale do Córrego do Leitão e mais a esquerda a encosta do Ilídio, área que se construiu posteriormente o reservatório do Cercadinho, atualmente sede da Copasa e as áreas ocupadas atualmente por diversos bairros da zona sul de Belo Horizonte. Mais ao fundo o local onde foi aberta a Avenida Raja Gabaglia ns anos 70 e as serras do Mutuca e do Rola Moça, que nada mais é do que a continuação da Serra do Curral. A direita pode ser visto uma parte do Barro Preto, área então delimitada para a instalação de indústrias e de um bairro operário.
Na foto pode-se ver as casas e os sobrados construídos nos primeiros anos da nova capital. Posteriormente elas deram lugar aos edifícios públicos e particulares, no grande adensamento da área central no inicio dos anos 30, não restando praticamente nada desse primeiro período de ocupação.
Capela do Rosário em 1895.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

Além da Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem existia no arraial do Curral del Rey outros templos destinados ao culto católico, as Capelas do Rosário, de Sant’Anna ou Santana e a Capela de São João Batista, cuja existência ou localização se desconhece, existindo apenas uma citação a seu respeito nas correspondências entre o Governador do Estado e o Bispo de Mariana, datada de 1895 (Acervo CCNC).
A Capela do Rosário existiu no largo de mesmo nome que existiu entre as ruas Guajajaras, Espírito Santo e Avenida Álvares Cabral. Ela se situava um pouco acima do cruzamento entre a Rua da Bahia e Avenida Álvares Cabral. Como podemos ver na foto abaixo ela era de arquitetura simples, em conformidade com as outras Capelas de seu tempo existentes no Estado e não possuía torres sineiras. Como acontecia na Matriz também eram realizados sepultamentos em seu adro, sendo estes proibidos pela CCNC (Comissão Construtora da Nova Capital) devido à insalubridade que causava além da falta de respeito com os mortos e seus parentes, pois os sepultamentos dos cadáveres davam-se literalmente um sobre o outro. A respeito disso escreveu Abílio Barreto em sua “Memória histórica” que “(...) cuja terra entremeada de ossos, acusava excessiva quantidade de cadáveres humanos que havia recebido, além de sua capacidade”, no caso a Matriz da Boa Viagem. O problema foi temporariamente resolvido pela Comissão Construtora que construiu um Cemitério provisório nos fundos da atual Capela do Rosário, no local onde se encontra atualmente o Banco do Brasil na Rua Rio de Janeiro.
A antiga Capela do Rosário foi demolida em 1897 para a abertura das Ruas Guajajaras, Bahia e Avenida Álvares Cabral. Só foi demolida após a construção de uma nova Capela de mesma invocação, localizada na esquina das Ruas Tamoios, São Paulo e Avenida Amazonas, conforme acertado entre o governo e o Bispado de Mariana em 1894.

Capela do Rosário em 1902.
Fonte: Acervo MHAB

Já a Capela de Santana existiu nas proximidades da Praça da Liberdade, na rua de mesmo nome, mais ou menos alinhada com a atual Rua Sergipe, atrás do prédio da antiga Secretaria de Viação. Era uma capela rustica e inacabada como podemos ver na foto abaixo. Foi demolida em 1894 pela Comissão Construtora, uma das primeiras demolições ocorridas no arraial devido ao seu precário estado de conservação.

Frente da Capela de Santana em 1894.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

Capela de Santana em 1894. Ao fundo a Serra do Curral.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

Largo da Matriz em 1894.

Fonte: APCBH Acervo CCNC

Conforme planejado pela CCNC o total arrasamento do antigo arraial do Curral del Rey estava quase concluído nos primeiros anos do Século XX. O sobrado que havia servido de escritório para a Comissão Construtora e posteriormente sede da Prefeitura já havia sido demolido, juntamente com outras casas importantes do antigo arraial. Bernardo Pinto Monteiro afirma em seu relatório de 1900 que “aproveitei na construção das mesmas as madeiras de lei, provenientes de casas do antigo arraial (...).” “As mesmas” nas quais ele se refere são as pontes construídas para transpor os Córregos que atravessavam a capital e as madeiras pertenciam às casas do antigo arraial que em ritmo acelerado a Prefeitura tratava de demolir, extinguindo todo o tecido colonial visando à abertura das ruas já projetadas e consolidar a modernidade e o racionalismo do qual nasceu a capital.
Uma das últimas casas pertencentes ao arraial foi derrubada no inicio de 1906 e ela se localizava nas proximidades da Rua Maranhão. Apenas a Igreja Matriz da Boa Viagem havia sido poupada, inserida no traçado urbano da nova capital como um remanescente do antigo arraial que ali existira. A Matriz da Boa Viagem era o centro do antigo arraial do Curral del Rey. O seu estilo jesuítico e as torres sineiras tortas chamavam a atenção em meio à modernidade pronunciada pela nova capital e era o oposto de tudo aquilo planejado pelos engenheiros e políticos.
De acordo com Abílio Barreto, mesmo com a autorização da Igreja para a demolição dos templos existentes no arraial (a Capela de Santana já havia sido demolida em 1894 e a Capela do Rosário foi demolida em 1897 para a abertura da Avenida Álvares Cabral e da Rua Guajajaras) a Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem foi poupada, pois “a importância tradicional daquele templo se impunha tão eloquentemente que a Comissão Construtora, de acordo com o Governo, julgou de melhor aviso conciliar o traçado da capital com a conservação da Matriz (...) Desde então, nem o Governo, nem a Comissão, pensou mais em demoli-la”.
O fato de a Arquidiocese de Mariana ter se oposto à demolição do templo, conforme correspondências da época entre o Bispo e o Governador antes de se construir outro também foi um fator determinante para a sua inserção na malha urbana além da importância simbólica da Matriz no espaço urbano, fato compreendido posteriormente pelo governo e pela CCNC, que a inseriu na malha urbana da nova capital, reservando um quarteirão inteiro para ela.


Igreja Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem em 1894.

Fonte: APCBH Acervo CCNC

A falta de ruas tortuosas, chafarizes ou casas antigas causavam uma impressão de “vazio” nas pessoas que visitavam Belo Horizonte. Habituadas com as antigas cidades coloniais mineiras, quase bicentenárias e ainda conservadas por inúmeros motivos, nos quais não entraremos em detalhes por agora, ao se deparar com uma cidade nova em folha, planejada e com edifícios de arquitetura Beaux-Arts os visitantes se surpreendiam e a questionavam, talvez assustados com tantas novidades.
Arthur Azevedo ao se deparar em 1901 com essa falta do “antigo”, do “velho” na nova capital escreveu:

"Ao meu espírito, ao meu temperamento de "touriste", faltava alguma coisa; a vetustez. Era novo, novinho em folha, tudo quanto eu via; as ruas, as casas, os próprios habitantes, pois é raro encontrar-se alí pessoas velhas. (...)
- "Que diabo! Façam-me ver alguma coisa velha!”Disse aos obsequiosos cicerones.
- Pois bem, vamos fazer-lhe a vontade mostrando a velha matriz da freguesia do Curral d'El Rei. E, é contentar-se com isso; não temos nada mais velho! Dirigimos-nos então à Igrejinha, que alí está, isolada e tristonha, como uma sentinela perdida no passado. (...) Foi pena que destruíssem tudo quanto era o antigo Curral d'El Rei e não ficasse ali um bairro, uma rua, um alpendre do velho arraial, que lembrasse, embora incompletamente, a fisionomia do passado. Pelo que vi das fotografias tiradas pelo sr. Soucasseaux e dos quadros de Emílio Rouéde, que se acham na Prefeitura, havia no arraial alguma coisa que merecia ficar”.



Matriz da Boa Viagem em 1910, pouco antes do lançamento 
da pedra fundamental da nova Matriz.
Fonte: Acervo do Autor

Como podemos ver na foto acima até 1911 o templo permaneceu inalterado e integrado a malha urbana da nova capital, porém condenado a ser “engolido” pelo pensamento vigente dentro da Igreja, que até meados dos anos 70 promoveu demolições de antigas Igrejas e Capelas por todo o Brasil, seja em nome do progresso ou mesmo por caprichos de alguns de seus integrantes. Belíssimos ícones da arquitetura barroca foram perdidos. Podemos citar alguns exemplos como a antiga Catedral da Sé de Salvador, a Igreja de São Pedro no Rio de Janeiro e a Igreja de Bom Jesus do Matozinhos em São João del Rei, sendo que esta última já se encontrava tombada pelo IHPAN.
Em 03 de Setembro de 1911 foi lançada a pedra fundamental da nova Matriz da Boa Viagem, no mesmo local da antiga ao invés do Morro do Cruzeiro, local indicado pela CCNC para a construção do novo templo. À medida que o novo templo foi sendo construído o antigo foi sendo deixado de lado, literalmente. Inicialmente sua fachada passou por uma remodelação, que o descaracterizou por completo, como vemos na foto abaixo, na tentativa de equiparar o templo à arquitetura dos edifícios construídos na capital nesse período. As torres sineiras foram demolidas, juntamente com quase toda a frente do templo. Posteriormente o edifício serviu de depósito de materiais destinados à obra do nova Matriz. Em 1925 com a nova Matriz pronta, a antiga Matriz da Boa Viagem foi finalmente demolida.


Matriz da Boa Viagem em 1919.

Fonte: Acervo MHAB

O que predominou na construção de Belo Horizonte foi a negação do colonial, o não colonial, o anti Vila Rica, Sabará, Diamantina e tantos outros baluartes coloniais que ainda temos e que nos lembra do nosso passado. Certamente o objetivo dos construtores e políticos da época foi atingido pois, após o ano de 1925 com a demolição da antiga Matriz da Boa Viagem findou-se toda a história do antigo arraial e quando se houve falar dele parece que já se passaram dez Séculos de seu desaparecimento. As milhares de pessoas que passam diariamente no local em que ele existiu certamente nem imaginam que antes de existir os quarteirões uniformes e as ruas paralelas, existia naquele mesmo local ruas tortuosas, casas coloniais e uma vida pacata. O rompimento com o passado promovido pela CCNC ocasionou uma rápida mudança no espaço e mesmo com mapas, plantas e fotografias tiradas na época fica difícil de imaginar, compreender e visualizar a área ocupada pelo antigo arraial, tamanha foi à mudança espacial do local.


Construção da nova Matriz e a esquerda a antiga, escondida pelas obras.

Fonte: APM

Existe atualmente apenas um edifício remanescente da época do arraial: a antiga sede da Fazenda do Leitão, atual Museu Histórico Abílio Barreto, apresentando-se em excelente estado de conservação. Existe uma outra edificação denominada “Casa da Fazendinha”, tombada pelo município em 1992 e que se encontra atualmente em péssimo estado de conservação existe a dúvida se é ou não remanescente do antigo arraial. (2018: o casarão data do período da Colônia Agrícola Afonso Pena).


A "Casa da Fazendinha", construída no início do século XX ,
situada no Morro do Papagaio em foto de 2006.
Fonte: Foto do Autor

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