Casa sede da chácara do Comendador Negrão de Lima.
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     Não é preciso falar da bagagem histórica do bairro urbano/suburbano da Floresta. Inserido na fixa delimitada para a primeira ocupação urbana da nova capital de Minas o bairro, nas três primeiras décadas de Belo Horizonte, em conjunto com os bairros da Lagoinha,Carlos Prates, Prado e Calafate, abrigava mais da metade da população belorizontina, visto os preços módicos dos lotes e a rígida legislação para se estabelecer na rígida zona urbana planejada, um artificio claramente impeditivo e segregador.

    A zona suburbana, apesar do “abandono oficial” por mais de trinta anos, se caracterizava pelos lotes de tamanho considerável e pela larga presença do verde dos quintais frutíferos e das exuberantes matas, algumas ainda presentes e ameaçadas, remanescentes das chácaras adjacentes a “Cidade Oficial” e dos sítios, muitas delas transformadas em pequenos, importantes e ameaçados Parques (o Planalto e o Jardim América que o digam).

    Praticamente desaparecidas, atualmente se vê na VI Seção Suburbana apenas remanescentes do que existiu anterior à voracidade imobiliária¹, que ainda vitima belos exemplares de uma metrópole que ainda respira em parte ares interioranos, como o singular casarão da chácara do Comendador Negrão de Lima, residência do ex-prefeito de Belo Horizonte Octacílio Negrão de Lima (1935/1938 e 1947/1951) e responsável por inúmeras obras realizadas no primeiro surto de canalizações da década de 1920, então exercendo o cargo de chefe da Divisão de Obras.
    
O terreno correspondente à chácara no bairro Floresta em 1928, posteriormente parcelado e fragmentado a partir da abertura de duas pequenas ruas e uma praça.
Fonte: APCBH

     O eclético edifício, cuja varanda se encontra voltada para a região central da capital, ficava quase ao centro do terreno, compreendido entre as Ruas Jacuí, Pouso Alegre, Ponte Nova e Itajubá, como se vê na figura abaixo. É importante ressaltar que o edifício se encontra a apenas quinhentos metros da Praça da Estação, corroborando a insistente ruralidade que marca as primeiras décadas de existência da capital planejada. Posteriormente as terras da chácara foram parceladas, restando atualmente apenas o casarão, um dos únicos remanescentes do período das chácaras suburbanas.

    A sua imponência, apesar de espremido entre as casas da Rua Leonídia Leite e notavelmente abandonado, corrobora a importância da majestosa zona suburbana da capital, guardiã de uma grande quantidade dos belos remanescentes arquitetônicos que outrora existiram na urbe, demolidos à custa de um progresso voraz e questionável. Posteriormente serão publicados sob o mesmo título diversos remanescentes espalhados pelo município, apesar de um estranho incômodo causado em alguns indivíduos que acreditam que algumas das pesquisas relacionadas a esse tema figuram como uma "invasão" em uma área que não diz respeito ao pesquisador. Sem delongas,"transdisciplinar" é preciso.

O edifício em destaque na imagem de satélite.
Fonte: Google Earth

Detalhe da varanda e do estado do singular imóvel.
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A casa sede, as suas alterações e a varanda, proporcionando uma 
interessante vista para o muro da residencia vizinha.
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¹ No Facebook existe uma página (Casas de BH) que está trazendo, ou melhor, catalogando as casas reminiscentes de uma cidade em eterna construção. É um trabalho muito bem feito, que expõe toda a riqueza arquitetônica que ainda existe e persiste na capital.
    Parte da bacia do ribeirão da Onça no ano de 1922, em destaque as denominações "da Onça" e "da Izidora" trocadas ao longo do século XX a partir da imposição de uma toponímia machista.
Acervo do Autor

      Já foi explicado em diversos artigos e no livro Rios Invisíveis da MetrópoleMineira o porquê de se trabalhar com a bacia do ribeirão Arrudas, da qual se irradiou todo o processo de desenvolvimento urbano de Belo Horizonte, por ser o sítio escolhido para abrigar a nova capital do Estado, apesar de que, em diversas passagens do livro, se fala das regiões da Onça e da Izidora, pois tudo está conectado apesar das divisas naturais, barreiras artificiais e mesmo mentais, assim como a ideia de cuidar apenas do seu quintal, sem se preocupar com o que acontece com o vizinho, nesse caso a bacia limítrofe e mesmo a própria bacia. Atitudes que só servem para desfragmentar todo o processo da quebra do paradigma das águas urbanas.

Venda Nova e em destaque o córrego do Vilarinho na década de 1940.
Fonte: APCBH

     Pois bem, em termos gerais, a bacia do ribeirão da(o) Onça é a maior bacia do município, abrangendo ainda parte do município de Contagem, superando em cerca de 7km² a bacia do ribeirão Arrudas. O ribeirão recebe essa denominação a partir da confluência do ribeirão Pampulha e o córrego da Cachoeirinha, no local assolado pelos transbordamentos na região do bairro São Gabriel. A Onça recebe ainda o ribeirão da Izidora (Isidora da Costa), seu principal afluente e receptor de uma considerável parcela da água escoada da região de Venda Nova. Exceção feita à região da Venda Nova e de alguns povoados no entorno, a bacia passou a “existir oficialmente” a partir de 1930, com a construção do novo matadouro da capital. A montante do Matadouro Modelo estavam o arraial da Pampulha e aos loteamentos aprovados na região a partir da década de 1920.
       A região, de suma importância politica para o município, de fato passou a receber investimentos vultosos a partir da década de 1970 e os velhos e ultrapassados métodos aplicados erroneamente e eternamente na bacia do Arrudas (não falo apenas da rede hidrográfica, mas sim de muitos dos elementos presentes no espaço, pois nos artigos futuros não será falado apenas dos cursos d’água) foram pulverizados por toda a região. Sendo assim, naturalmente, os mesmos problemas que assolam o núcleo urbano inicial da capital passaram a fazer parte do cotidiano da população, a partir do notável adensamento das terras onçanianas.

Ribeirão da Onça no ano de 1982.
Fonte: PBH/Laudelina Garcia

     Apesar dos notáveis transbordamentos disseminados por toda a bacia, ainda existem dezenas de cursos d’água em leito natural, muitos incrivelmente invisíveis para a cidade, naturalmente poluídos e espalhados por toda a bacia, além de resquícios históricos e marcos referenciais importantíssimos para a cidade e para a sua população. Isso tudo a uma pequena distância da região central da capital.
      Talvez a solução e o exemplo para a irreversível reabilitação dos cursos d’água da bacia do Arrudas e o próprio ribeirão esteja na bacia do Onça, que poderá resgatar e promover o (re)conhecimento da importância das águas urbanas, assim como a necessidade do resgate do convívio com esse importante elemento, necessário e imprescindível para o nosso cotidiano. Movimentos para isso já existem, sem duvida estamos em um caminho sem volta, para melhor.

Cachoeira do ribeirão da Onça em imagem de 2011.
Acervo do Autor

Cágados nas poluídas águas da Onça, na altura do bairro Ribeiro de Abreu.
Acervo do Autor 

O belo e poluído ribeirão Pampulha no ano de 2015.
Acervo do Autor

O ribeirão da Izidora no ano de 2014.
Acervo do Autor

Pressão urbana sobre um curso d'água pertencente a bacia da Onça.
Detalhe para as águas que naturalmente não se encontram livres dos 
efluentes e dos resíduos sólidos, apesar da existência recente dos 
interceptores de esgotos. 
Acervo do Autor


Rios Invisíveis da Metrópole Mineira

gif maker Córrego do Acaba Mundo 1928/APM - By Belisa Murta/Micrópolis